terça-feira, outubro 31, 2006

o filho do vento



















((( Eu nasci de um sopro e o que me conduziu foram as correntes. )))


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Fuga ao secreto

Conto toda uma gama de mentiras só pra fugir por alguns ligeiros instantes de tudo aquilo: família, faculdade, trabalho, banco, paixões incontroláveis; cidade grande.

Meu coração entra em um compasso tão frenético que a sensação que toma meu corpo é que a qualquer momento eu poderei vomitá-lo. Sinto o fervor de tantas pessoas, o frio de cada individualidade endurecida contrastado com o encanto da imaginação nos olhos das crianças, que deslumbram-se e ao mesmo tempo se decepcionam com tudo.

É duro enxergar à toda hora o intrínseco sentido de todas as burocracias sociais, tão árduo que prefiro redirecionar os ventos desta prosa.

Se fujo é para que ninguém me encontre. Vou à minha praia secreta, poucos conhecem-na. Não quero me exceder na caracterização desta praia porque temo que muitos outros venham a descobrí-la, e, portanto, tudo que digo é que ela é pequena e tem ilhas quase mágicas, distantes, entre a linha do horizonte e a praia. A praia é tão pequenina que nos mares bravos e certas marés sua areia todinha se esvai restando apenas pedras sobre pedras. Acho bonito como rapidamente nascem algas nestas pedras que a tão pouco tempo estavam debaixo da areia.

Aqui, finalmente, o barulho do esfarelar constante das ondas nestas pedras faz neutralizar a ressonância do som dos veículos nervosos. Aqui, finalmente, retomo a tranquilidade de meus campos sensoriais e consigo admirar alguma beleza na existência, é quase instantâneo. Aqui tenho atmosfera pra ler aquilo que não consigo se estou preso em um cubículo.

Finalmente o corpo se encaixa vagarosamente e vai parando de vibrar nervosamente num ritmo trêmulo que me lembra o pânico inconsciente.

Acho que a alma carioca está sempre em contato com esse 'pânico'. Seja diante do caos que a impera ou seja diante de tamanha e inefável beleza que nos prende no ato de observar, furiosamente encantados, e talvez por isso tão entusiasmados a vivermos intensamente.

Uirah Felipe Grano Gaspar

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Compreensão Incompreensível

Algumas vezes me apaixono por puríssimo amor. É que sinto um quase-tudo da pessoa que me ama com os olhos ou através do ar e do tempo mesmo. E é natural e reciprocamente inevitável que eu imediatamente ame tal pessoa então.

Não se trata de desejo, nem vontade e nem escolha. O amor é sempre inerente a minha decisão de amar ou não. A única escolha que tento fazer é o modo como expressar esse amor, mas muitas vezes isso é por demais complicado. Eu misturo o desejo que sinto nos outros com o meu. E o meu desejo eu desconheço e portanto passo a desejar o oposto idêntico do que me deseja. Meu desejo é o de suprir um desejo. Mas minha expressão é sempre um erro.

Sou tão cego quanto um cego que tem nas mãos o desenho de seu destino. Posso sentir os traços pelas voluptuosidades da força aplicada no papel, mas cores não reconheço pelo cheiro. Acho que só sinto cheiro de espíritos, é uma deficiência eu ter vindo com dois sentidos a menos, talvez pra compensar os tantos sentidos a mais, que já me esgotam por demais. Mas talvez eu não sinta cheiro porque sou um fumante. Minha única certeza é o cheiro das árvores, quer eu fume ou não, o cheiro é evidente por todo o ar. Ainda bem que posso sentir o cheiro das árvores e das pessoas, mas não sinto cheiro de chocolate, é uma pena. No entanto sinto cheiro de moradias. Acho que as moradias têm espírito.

Minha experiência maior é quando auxilio a realização de desejos alheios. Também reside em meu âmago o desejo profundo e audacioso de compreender o olhar de uma baleia ou de um elefante. Quando criança eu conseguia, mesmo de longe. Quando era criança tudo era cheiro. Eu sentia o mundo pra não compreendê-lo.

O amor me é intrínseco. Não tenho como escondê-lo de mim.



Um elefante no zoológico é como um anjo órfão que teve as asas amputadas pra que ninguém o re-conhecesse e assim não o ajudasse.

Não posso ir ao zoológico. Morreria por semanas, talvez meses...

sou só um filho do vento...

Agua-4gua
















"Sentimentos são águas de um instante"


E num abraço cabe o consolo de uma lágrima

um desespero

que sequer nosso é

Em um abraço cabe o passo ao sonho

Que nos foi plantado, coincidentemente

Num beijo roubado cabe a doação

O infinito de um presente

do líquido do agora

de toda dor acumulada que se cala

pra ser forte

e se solta no estalo dum beijo

Rio que chove ao romper da represa de nossos lábios

o silêncio de quem tudo ouve

o espanto de quem enxerga a luz

e não o objeto que a reflete

A nota solitária num piano empoeirado

o floco poeril a cruzar um feixe de luz que corta por entre as cortinas.

Como um raio que escapa de um olhar

e flecha, como fazem os cupidos,

aquele outro olhar que o mundo lançou

para refletir o meu

Águas do agora escorrem

Como as salivas que se misturam

E se repelem de tanto amor a libertar

As mãos se fecham, o peito range, inquieto

tentando abafar o terremoto de nossos corações

Águas do agora, do incontrolável

líquidos, os sentimentos se revelam

como flores à umidade do orvalho que sobreviverá à manhã

Sentir não é plano como rocha

é o não definir e viver

pra que defina-se por ser

no círculo do instante

infinita finidade

uFGg





busca











Minha ingenuidade me fez acreditar um dia que meu sonho era ser biólogo. Mas meu sonho era o de salvar os animais que precisam ser salvos, por causa dos humanos. Descobri que isso não é trabalho para biólogo. Isso não é trabalho, isso é pura realização de um ser que ama os outros. E à isso, no Brasil, (e talvez no mundo) não se merece dinheiro. Resolvi ser veterinário. Descobri que era crueldade e não apenas medicina. Era também muitas vezes mercenarismo à custa dos animais. Achei mais cruel que os laboratórios de biologia. Minha ingenuidade sempre me levou certeira para os lugares errados. Decidi que teatro era minha vocação, apesar do escasso talento, já que tenho uma essência muito tímida (sou o melhor ator do mundo, quando não há quem me julgue). A vontade de superar meus egoísmos e medos infantis no entanto sempre alimentou minha coragem e me tornei ator. Isso não satisfaria minha família, precisei cursar jornalismo. Quem sabe não salvaria o mundo com minhas palavras? Me enganei, o jornalismo faz o oposto.

quinta-feira, outubro 26, 2006

SEGURANDO O SOL


















Pássaros cantam silenciosamente entre buzinas, aviões e principalmente o arder do sol sobre tanto asfalto, cimento e outras substâncias mais mortas que pedra seca no deserto.

Existiria tanta beleza no mundo não fossem meus olhos à colocarem harmonia estética no que talvez sequer exista?

Eu estava sentado no parapeito daquele canal da rua Visconde de Albuquerque. O cheiro de mar se misturava ao da fuligem dos veículos e do estrume que descia pelas águas vindas do Jóquei Clube para contribuir com a impopularidade da praia do Leblon.

Restos jaziam por entre as pedras daquilo que escorria rumo ao indefinido infinito do oceano a banhar os litorais com as misturas mais diversificadas que se pode imaginar. E eu sentia o sol arder minha nuca enquanto este era completamente ignorado pelos tantos seres auto-denominados de humanos. Tantos a cruzar meu caminho, distraídos ou compenetrados, ardiam por serem como ardia minha nuca, por ser, ao sol. Humanos tão humanos quanto a água fétida que fluía abaixo de meus pés vertiginosos, caóticamente previsíveis a sacudirem-se no ar, como crianças na hora do recreio.

Talvez eu não seja humano. E essa é uma estúpida certeza que me pesa todos os dias, desde a terra-do-nunca de onde fora sequestrado (onde não haviam humanos, não na ilha, somente nas profundezas do horizonte podia se encontrar o arranhão existencial de uma presença Humana.) Todos os dias a estranha certeza de não ser certo, de não ser dado às questões “importantes” e muito menos às “sérias” questões do cotidiano que falecem distantes dos grandes mistérios da vida, que levam uma vida toda para nunca se resolverem... Todos os dias opto por não optar, e à vertigem do passo pro abismo do conhecimento ainda prefiro não decidir nada, aprender sem precisar ter entendido... Não pulo, não fico, flutuo...

Me sinto mais cigarra que o ranger de máquinas, mais sabiá que motor de moto, me sinto mais pelado enquanto homem vestido como se sentem os macacos vestidos enquanto pelados que são.

Talvez, talvez não exista.

E eu só desejava não ter destino algum, nem destino nem escolha no infinito de possibilidades que havia no fato de não fazer escolha alguma...

Entre ser e saber quem sou sem sê-lo, escolhi a ignorância de ser sem entender nada do que ser significa ...

Talvez nem tenha escolha . . . Talvez signifique nada.

Uirah Felipe

sexta-feira, outubro 20, 2006

6 estações


(Clique na imagem para vê-la ampliada)

intermináveis inúmeras fases
























- Uma impossibilidade para o óbvio -


Começou na areia da praia:

Na verdade eu não estava lá mas,

sim, numa sala de aula burguesa e ortodoxa

Meus pensamentos, guiados pelos ventos

(que empurravam o branco das nuvens

naquele pedacinho de céu por trás das cortinas pesadas

daquela sala de aula gelada)

foram levados soltos

como uma folha de papel

que flutua na correnteza dos ventos tempestuosos

E os pensamentos pousaram na areia de uma praia quase lunar

onde um silêncio infinito como um instante

pôde de repente ser interrompido com gosto:

uma grossa gota marcou aquele solo arenoso com o batuque de um extasiante

silêncio barulhento.


Era uma tempestade matinal que se eclodia

e finalmente choveu e escorreu rios pluviais por mim

e uma onda estourando na areia fez com o som me elevar acima das nuvens e do vento e inalar todo o azul com a minha amplitude de 'juvenessência'


Tudo aquilo que chamei de...

minha primeira poesia

como a onda que espatifava sua eletricidade nos poros da areia dura

o mais curioso é que o poema

passou por mim, não me saiu de dentro

não o captei do universo ao redor ...

Não o construí, não o montei

foi o mais puro vômito

de minhas entranhas imaginativas aprisionadas

na gravidade de 3 paredes e um quadro-negro que era verde e inútil a maior parte do tempo

mais inútil que a vivência de um poema


Mas talvez fosse o poema um pouco de tudo aquilo que era-me inenarrável, todas as intocáveis coisas que talvez ali no indefinido dajá'vú conseguiam finamente me tocar, sem que existisse dor pra se sentir a vida.

Sentia que o poema não era meu, contudo.

E de fato vim descobrir o quão independentes são estes escritos

Incontroláveis, indomesticáveis

que me enlaçam feito uma presa e

só me fazem livres quando livres forem de mim tais escritos

que nunca escolheram hora para nascer

nunca avisaram que iam aparecer...


tenho mesmo muito o que aprender

com tudo isso que não sei

que passa por entre meus dedos

tremendo-os

fazendo surgir estas palavras tortas

estes garranchos inconstantes

Essas chuvas cíclicas e imprevisíveis

todo este ácido de metáforas, ironias, sarcasmos e invenções sem finalidade alguma

No começo confesso que pensei tratar-se de uma simples fase

e eu estava certo, porém incompleto:

O começo de uma grande fase de intermináveis inúmeras fases

que a partir de então eu passei a enfrentar

derrotando meus medos

para fortalecer cada vez ainda mais o caminho daquela interminável metamorfose que me ATOR(ali)MENTAVA


Infinitas personalidades passaram a me coabitar

e fui aos poucos me acostumando a não ser sosinho, a não ser uno, mas único

por não ser específico


e desconhecer


uma possibilidade para o óbvio.

E foi escrevendo poesias que descobri:

Queria ser ator; e já era

só não havia ainda encontrado o público e nem palco pra sentir-me família(sintonia), no labirinto de palavras e caligrafias mutantes. Queria viver o explendor da liberdade; uma ilusão que só eu poderia ter criado, uma possibilidade de ilusão, livre, inclusive de mim.

E eis minha vocação no universo coletivo: a fantasia.... a criação....

Só (,) nasci para amar . . .

sábado, outubro 14, 2006

domingo, outubro 08, 2006

. . . ponto de contemplAção





















tr3s pontinh0s


"Seu trauma era o futuro

mas seu presente foi

o que sendo melhor sentia-se

sua coragem era a dor

que o passado iluminava

e o futuro acendia


e o agora é

o desconhecido lugar

com que sempre sonhou

a lembrança de um amor

que dentro em si vivia

vindo à tona intrínsecamente

no encanto de uma paixão que ardia

a erupção de uma entrega, suor


a experiência da metamorfose

foi o clarear dum incrível dia

que finalmente o realizou

de amanhecer na alegria da chuva

beleza da invenção

de uma simples fantasia"

SOMOS























Tão em comum e tão opostos

tão parecidos, tão completamente diferentes

tão íntimos, tão desconhecidos

tão fieis, tão infiéis

tão amantes, tão distantes

tão frágeis, tão gigantes

tão bonito, tão errante






de perto ainda somos crianças

e ainda

de tão perto

que só de perto estar

do incerto explodimos

e de longe, perto também

SOMOS


caminhando














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Quando caminho escrevo com muito mais facilidade os pensamentos. Quando caminho e ainda chove e o chão da praça é cheio de poças e terra de brejo que quando pisamos produz efeitos sonoros parece que fica simples enxergar todo o mundo. Parece simples ver nas poças o reflexo de tudo aquilo que eu somos. O céu reflete na minha imaginação um 'googleEarth' ao contrário. E o infinito faz a curva mais sensual que eu já senti passar por toda minha existência intrínseca. Quando caminho eu sei que fui eu quem criei este mundo... mas não estas palavras.


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