Partindo para o infinito...
Ele tinha os pés colados na terra mais que no sapato. Tirou os sapatos. O sol fazia crescer a grama e o verde à seus olhos. Hoje completava 9 anos de vida. Antes que qualquer outro na casa acordasse, ele caminhou pelas águas do rio que musicava a varanda de seu lar. O sol parecia o empurrar nas costas, e ele foi subindo o rio. De repente se deu conta: havia andado além do que nunca andara antes, e o rio dali em diante seria tudo novidade, genuína aventura.
Incentivado pela força da luz nascente à derramar-se perpendicular em suas costas, ele prosseguiu, passo a passo, sentindo cada areia fria rolar pela sola de seu pé, cada lodo estranho alisar a ponta de seus dedos, e toda sua embarcação rio acima deslizar por dentro-e-fora da água. No caminho surgiram muitas pedras (e muito mais lodo) e a água ficou um tanto quanto mais perturbada. Ele então olhou para trás. Já não via sua própria casa, e adiante não haviam mais quintais, era a floresta virgem que adentrava, rio intocado e virgem como ele mesmo era. Não teve relutância, e a coragem lhe abriu no peito como faz a flor das “onze-horas” quando o sol lhe toca no ângulo apropriado para tamanho gozo de experimentação vital, e ele foi adiante...
Enfrentou as corredeiras. Subiu uma queda d'água e o sol avermelhou seu rosto quando chegou em cima, ele sentiu. Sentiu tudo que já vivera até ali, e nesse momento então foi como se deslumbrasse a verdadeira possibilidade de seu futuro adiante tão previsível quanto o passado, cheio de intuições, erros e certezas cegas... Todo molhado, quente, efervescente ... Como se fosse um milho prestes à estoura-se pipoca, estava ele diante do sol e de seus nove anos de idade. E explodiu, repentinamente. Pulou margem afora e saiu correndo por um gramado enorme que sumia-se por horizonte adentro de um vale cheio de verdes claros e escuros. Os cabelos eram como asas que ruflavam naturalmente com o vento. Respirou seus nove anos, atônito. E num tranco, parou de correr. O silêncio da ausência de vento. Os grilinhos muito pequenos com seus barulhinhos microscópicos. Mosquitinhos e um cheiro impregnante de verde, de pasto, parecia que dali sentia o cheiro do planeta inteiro.
Caiu sobre os joelhos, tonto. O coração tinha uma música toda nova em seus compassos. Algum pássaro cantou, e ele soube que só ele soube que o pássaro estava lá, exatamente como ele imaginava, acompanhando o som, o pássaro estar. O Som fértil no ar. Deitou-se, extasiado de liberd4de, respirando a manhã enriquecida de polens. Estava entregue ao desconhecimento, à alegre loucura de se saber pensante, ao inefável encanto de contemplar com todo o corpo, ao pudor de se derreter numa imensa epifania, capaz de, a partir dali, mudar não só a si mesmo, mas, e por isso mesmo, mudar todo o mundo.
uF
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