quarta-feira, novembro 08, 2006

O Peixe e O Pássaro












Era uma vez dois lindos filhotes: Um peixinho e um passarinho. O peixinho, coitado, nasceu em um aquário. O passarinho, tadinho né, nasceu engaiolado. Na loja onde foram deixados, num canto, separados (separados do resto porque ainda eram filhotes demais para serem vendidos) eles conseguiram se saberem através de certa luz especial do dia que só acontecia quando um raio de sol entrava pela fresta numa janela emperrada e iluminava a gaiola. O espelinho que tinha na gaiola então refletia parte destes raios de sol e iluminava finalmente o aquário. Neste dado mágico instante de poucos minutos, todos os dias, ambos se entre-olhavam, imensamente curiosos de verem outro ser, e vivo, e, igualmente aprisionados, se observavam. Um espanto sublime, entendendo-e-convivendo com a dor do outro, a dor de ter nascido o que se é, e como se pode ser...


Num dia feliz, desses que o sol amanhece cantarolando cantigas que ele improvisa no momento (inspiração das novidades coloridas que o céu trás ao refletir os novos raios a desvirginar com luz toda a pintura que trans(des)aparece no breu noturno) algo de muita importância aconteceu na vida de ambos, quase um milagre. A loja fora vendida, e o novo dono, um revolucionário que não tinha o menor intuito de tocar aquele negócio para frente, antes de destruir tudo pra fazer a reforma e adaptar o espaço à seu projeto de ONG, libertou um a um cada dos animais que ali viviam. E foi triste para o peixinho constatar que sua família não vivia nos outros aquários que não via. Não havia um sequer de sua espécie, e para ele a liberdade fora uma gigantesca solidão: no oceano não havia o raio mágico e único de luz pra iluminar uma outra vida com quem pudesse, talvez, viver um grande amor, palavra que desconhecia completamente, por assim vivê-la. Na liberdade tudo era luz demais e, mesmo assim, nenhum dos outros peixes o enxergava. Para o passarinho não foi muito diferente. Ao ver todos os outros pássaros serem libertados e voarem em direção ao horizonte, teve de sair caminhando. Não sabia como usar aquelas suas asas duras, de penas espessas e pesadas. Bateu forte as asas mas não foi possível voar. Nenhum pássaro voltou pra ajudar a lhe ensinar a arte do vôo. E baixou a cabeça, mais uma vez estava solitário.


A primeira semana de liberdade fora um total tristeza: o desamparo pairou, sobre ambos os animaizinhos agora livres. O peixe sem ter amigos olhava muito o céu acima da superfície, na busca de algo que talvez o refletisse. O pássaro, andava costeando o litoral, vendo o esfarelar das ondas na areia e nas pedras tentando entender porque nunca fora capaz de fazer o vôo que os outros pássaros fizeram tão naturalmente. Até que um dia os olhos deles se encontraram novamente. O passarinho na pedra, o peixinho dentro d'água. Aquele olhar molhado parecia ser a fonte de todo o oceano: mar de lágrimas. Já o peixe que via o passarinho na pedra não entendia porque ele não voava logo pra liberdade, mas tinha a alegria de ter ali a salvação pra sua solidão. No entanto um sentimento muito estranho o envolveu e ele não conseguiu conter a esperança que fez faiscar em seus olhos, olhar proposital de pura doação. O pássaro, ao absorver aquela fagulha vital, de repente acreditou e deu um pulo . . .


O pássaro podia voar sim, mas era muito esforço aquele. Não importava, voar já era grande e sublime para ele que era tão pequenino e ainda frágil em sua existência. Voou com muito esforço rumo às ilhas que via ao longe. O peixe, desamparado com o que causara, não teve escolha se não seguir o vôo baixo daquele passarinho que se esforçava tremendamente pra manter-se suspenso no ar. E era de tamanho esforço para o peixinho nadar também. Nadou voraz na busca de não perder-se daquele único em que sabia caber-se. Nadou e nadou e fez muita força para acompanhar aquela velocidade, até então impossível. Estava ficando para trás e no desespero de perder o pássaro amigo de sua vista ele saltou para fora d'água. O pássaro, exausto de tanto bater suas asas perdeu um pouco as força e de repente, mergulhou.


E um milagre se presenciou mutuamente: o peixe voava, o pássaro nadava. Um nadava melhor que o outro voava e vice e versa. E ficaram a alternar-se entre água e ar, céu e oceano, num beijo interminável entre suas essências tão próximas: viver. O infinito de suas buscas finalmente encontrou um ritmo, um lugar onde sabiam dançar a vida.


O peixe cresceu: peixe voador. O pássaro descobriu-se: mergulhão. E então se ensinaram e foi ali que tudo começou. Onde uma vida começa, uma história finalmente acaba . . . E foi assim que o pássaro e o peixe se amaram, e todo o resto do mundo ficou para trás.





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